Pausa no retrocesso

Justiça barra licenciamento ambiental para termelétrica em Caçapava

Juiz acatou ação do MPF, que considera que o Ibama aceitou documentação vencida apresentada pela empresa Natural Energia. E que houve pouco tempo para a divulgação da audiência pública, que seria realizada nesta quarta-feira

Escrito por 1 de fevereiro de 2024
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São Paulo – O licenciamento ambiental e uma audiência pública sobre a instalação de uma mega usina termelétrica em Caçapava, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, prevista para esta quarta-feira (31), foram suspensos pela Justiça. O juiz Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, acolheu pedido do Ministério Público Federal (MPF).

O MPF moveu uma ação civil pública contra o Ibama. O órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente havia convocado a audiência de hoje mesmo sem que a empresa Natural Energia, responsável pelo empreendimento, tivesse apresentado certidão atualizada de uso e ocupação do solo. O documento é imprescindível para o prosseguimento da análise ambiental. Além disso, segundo o MPF, o Ibama anunciou a realização da audiência no último dia 15, duas semanas antes da data, prazo insuficiente para a divulgação e também para a leitura das mais de 1,6 mil páginas do estudo de impacto da usina.

O licenciamento ambiental junto ao Ibama ficou suspenso “até a apresentação, pelo empreendedor, de certidão atualizada de ocupação e uso do solo emitida regularmente pelo Município de Caçapava, como condição para apresentação do EIA/Rima e para sua análise pelo órgão ambiental federal”. E foi assegurado prazo de, ao menos, 30 dias entre a convocação e a realização de audiências públicas.

A empresa obteve o documento em julho de 2022 e o entregou em dezembro daquele ano. Mas a validade expirou em dezembro passado e a empresa não entregou um novo. O MPF entende que, sem a documentação dentro do prazo de validade, não é possível avançar em nenhuma etapa. Nem mesmo a realização da audiência pública ou o processo de autorização ambiental. Daí pedir a suspensão de todo o processo de implantação da termelétrica até a solução de todas as pendências.

Direito de acesso à informação ambiental, diz juiz

Para o juiz, a suspensão é uma “medida de garantia do efetivo direito de acesso à informação ambiental e de participação pública na tomada de decisão sobre empreendimentos passíveis de gerar impactos ambientais”.

As usinas termelétricas produzem energia elétrica por meio da queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão mineral, biomassa ou gás natural. Ou seja, emissores de gases de efeito estufa causadores do aquecimento global e das mudanças climáticas. No caso de Caçapava, o projeto prevê que será movida a gás. O empreendimento tem localização prevista para a margem da SP-62, a Estrada Velha, no limite de Caçapava com Taubaté. A usina deve ocupar uma área de 25 hectares, equivalente a 35 campos de futebol.

Ao g1 Vale do Paraíba, o Ibama disse que o processo de licenciamento ambiental está seguindo os trâmites corretos. E a empresa Natural Energia, responsável pelo empreendimento, informou que “acompanha o desenrolar do processo para que seja realizada a audiência pública”.

Segundo a Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, Caçapava e o Vale do Paraíba paulista entram no mapa da expansão dessas usinas movidas ao nocivo combustível fóssil. Em manifesto contra o projeto que vai na contramão da transição energética para fontes limpas, a frente destaca que “o território está ameaçado pela implantação da maior termelétrica a gás do estado de São Paulo”.

Usina vai usar água de abastecimento da população local

Essa usina terá potência instalada de 1.743 MW, volume superior ao de qualquer unidade desse gênero em funcionamento na América Latina. Mas para isso demandará a queima de 6 milhões de metros cúbicos de gás por dia. E mais 100 metros cúbicos de água por hora, água essa retirada de poços profundos, que é a mesma fonte de abastecimento hídrico da população de Caçapava e do Vale do Paraíba.

De acordo com a Natural Energia, o local foi escolhido porque facilita a implantação da usina já que conta com adutoras, gasodutos e linhas de transmissão. A água será captada em quatro pontos do Córrego Caetano, do aquífero Taubaté. Os resíduos serão lançados no Ribeirão Caçapava Velha ou Boçoroca. Já o gás natural, que será o principal combustível da usina, será trazido por um gasoduto que percorre a Estrada Velha.

Segundo estudos do Instituto Internacional Arayara e Observatório do Petróleo e Gás (OPG), são pelo menos 74 novos projetos termelétricos como o de Caçapava, que somam mais de 17 GW de potência instalada e queima de gás fóssil. E 19 novos projetos de terminais GNL (um aumento de 380% no número de terminais).

Segundo esses grupos, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2030 prevê o crescimento da produção no país de gás metano de petróleo (carinhosamente chamado de gás natural) de 130 milhões para 276 milhões de metros cúbicos por dia até 2030. Atualmente, com um recorde de produção de 147,9 milhões de m³ /dia (outubro de 2022) há o maior volume de emissões de gases poluentes em 15 anos. Em 2021, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2, uma alta de 12,2% em relação a 2020, conforme o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

Retrocesso no Brasil com termelétricas

A Frente Ambientalista do Vale do Paraíba lembra que a construção de todo esse aparato para viabilizar a expansão das termelétricas a gás no Brasil irá impactar significativamente grandes áreas sensíveis nos biomas Amazônico, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. E em áreas de importante preservação para conservação de ecossistemas de modos de vida de comunidades tradicionais.

“Além de impactar fortemente na vida de todos os brasileiros, sobretudo dos mais pobres, pelo aumento das tarifas de energia. A energia térmica é suja e muito mais cara, com o maior custo por MW gerado atualmente. Sendo assim no cenário em que o Brasil se apresenta como a segunda energia mais cara do mundo, e no qual 85% dos brasileiros encontram-se com dificuldade de pagar a conta de energia”, diz trecho do manifesto.

A frente prossegue: “E a escolha de investimento em uma matriz baseada na construção de grandes complexos termoelétricos a gás e suas infraestruturas indispensáveis aponta para distanciamento do cumprimento das NDCs e compromissos internacionais e um aprofundamento significativo das desigualdades sociais do país, econômicas e do racismo energético e ambiental, contra o qual lutamos”.

Em seu site, a Natural Energia afirma, em tom de propaganda, que junto com seus clientes pode “criar um futuro de baixo carbono”. Isso porque atua “nos segmentos de geração e infraestrutura de energia limpa com foco na transição energética”. Energia eólica, energia solar, hidrogênio limpo. E lá pelo meio do portfólio, armazenamento de energia, carregadores elétricos para veículos e energia do gás natural – este último, um nome simpático para a geração de energia elétrica a partir de fonte fóssil. Com ela, os pretensos sustentáveis carros elétricos acabam poluindo pior que a gasolina.

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