Ação no Supremo da CNI e CNC para impedir igualdade salarial é afronta às mulheres
Sindicatos patronais querem que STF considere inconstitucional lei da igualdade salarial. CUT e Frente das Mulheres preparam atos em defesa da lei
Escrito por 15 de março de 2024A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entraram em conjunto com uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir que a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, da igualdade salarial entre homens e mulheres seja cumprida. A ADI é a nº 7612 e foi protocolada na última terça-feira (12). Por um sorteio, o relator será o ministro Alexandre de Moraes.
Os sindicatos patronais questionam vários artigos da lei, que se forem acatados pelo Supremo inviabilizarão a sua aplicação, como por exemplo, a não divulgação do relatório de transparência e as penalidades previstas.
A lei estabelece que as empresas com mais de 100 funcionários gerem e entreguem relatórios com os valores dos salários pagos. Após a entrega, o Ministério do Trabalho e Emprego fará a análise e aplicarão posteriormente as devidas sanções, se houver necessidade. Somente serão divulgados os CNPJs das empresas e o percentual da diferença salarial entre homens e mulheres com a mesma função. Ela não prevê a divulgação dos nomes dos trabalhadores e trabalhadoras, nem os valores de quanto eles e elas ganham.
Para a secretária da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, Amanda Corcino, a decisão da CNI e da CNC em questionar a constitucionalidade da lei, em pleno mês de março, é uma afronta às mulheres e, por isso no final da tarde desta sexta-feira (15), haverá uma reunião entre a CUT, demais centrais e o Fórum das Mulheres para a organização de atos e manifestações contra os sindicatos patronais que querem impedir a igualdade salarial entre homens e mulheres.
“É importante a nossa mobilização, do movimento social, do movimento sindical, não só de mulheres, mas de todo o conjunto da classe trabalhadora”, afirma a dirigente da CUT.
As empresas, nos seus discursos, pregam valorização da trabalhadora, igualdade, mas na hora de praticar, a gente está vendo que não é bem assim. É o patriarcado se levantando em pleno 2024 para que nossos direitos constitucionais não sejam assegurados. Isso é uma afronta a toda classe trabalhadora
A Constituição brasileira garante a igualdade salarial entre homens e mulheres e o governo Lula ao criar a lei, apenas formalizou como esse direito deve ser aplicado.
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O advogado José Eymard Loguércio, sócio do escritório LBS Advogados e Advogadas, que atende a CUT Nacional, reforça que a lei estabelece aquilo que está na Constituição, de que funções dos trabalhos iguais devem ter salários iguais.
“Nós sabemos que na prática isso não ocorre. Então, é paradoxal porque eles [patrões] vão ao Supremo para pedir a inconstitucionalidade de uma lei que, na verdade, procura apenas materializar aquilo que já é uma obrigação, que é a igualdade salarial para funções iguais”, diz.
Eymard ressalta que a lei nada mais é do que permissão para verificar se as empresas na prática estão de fato cumprindo aquilo que a Constituição determina.
“A lei é só uma questão de formalizar o que está na Constituição. Ela passou por todas as comissões do Congresso Nacional e foi aprovada porque materializa um princípio constitucional, que já é bastante antigo, mas que não é aplicado. Todas as pesquisas demonstram essa desigualdade”, afirma o advogado
No fundo as empresas não querem ter a obrigação de cumprir um dispositivo legal da própria Constituição quanto à igualdade salarial entre homens e mulheres
Reação
O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, afirma que a CUT e as demais centrais vão entrar como “Amicus Curae” para derrubarem a ADI. O termo em latim significa ‘Amigos da Corte”, em que entidades e/ou pessoas interessadas em determinadas ações podem se pronunciar diante dos ministros do Supremo para defenderem suas convicções.
“As principais entidades da CUT, suas federações e confederações serão chamadas a entrar como Amicus Curae porque é um absurdo esses questionamentos de vários artigos que praticamente desmontam a lei.
Segundo o dirigente, o relatório é imprescindível para a aplicabilidade da lei porque o governo de Jair Bolsonaro (PL), desmontou toda a base de dados e, somente com essas informações o governo poderá aplicar sanções às empresas que burlam a igualdade salarial.
A criação da lei da igualdade salarial é a materialização de uma luta histórica da CUT. Não podemos admitir em hipótese alguma o retrocesso que os sindicatos patronais querem impor
Ele complementa dizendo que a CUT vai trabalhar para redigir um documento em conjunto com as demais centrais sindicais, para encaminhar a todos os ministros do Supremo, porque é um absurdo esses questionamentos.
“Se o problema é a divulgação da lista que eles conversassem com o Ministério do Trabalho. Na verdade, essas empresas não querem expor a desigualdade salarial que praticam”, afirma.
Trâmite da ADI
Eymard explica que não há um prazo para a decisão do Supremo, mas que o ministro relator pode impedir que a ação seja levada adiante por achar que não há sentido no pedido.
Caso a ADI seja rejeitada ou pelo relator, ou pela maioria dos ministros, a decisão terá repercussão geral e invalidará a liminar acatada pela juíza Federal Frana Elizabeth Mendes, da 26ª vara Federal do Rio de Janeiro, pedida pelas redes de Drogarias São Paulo e Pacheco, para que elas sejam isentas, além da divulgação do relatório da transparência salarial, de promoverem campanhas internas aos funcionários sobre a igualdade salarial e que as redes não sejam penalizadas por isso.
Teor da ADI nº 7612
Confira o teor da ADI, divulgado pelo escritório LBS Advogadas e Advogados.
Autores: Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
Rel. Min. Alexandre de Moraes
– Objeto –
Inconstitucionalidade de disposições da Lei nº 14.611 de 3 de julho de 2023 (“Dispõe sobe a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho).
Na ação, as Confederações não impugnam diretamente a isonomia de gênero, mas tem como inconstitucional o seguinte:
(i) a necessidade de implantação de um plano de ação na ocasião de identificação de desigualdade salarial;
(ii) a desconsideração pela lei de desigualdades salariais “lícitas e razoáveis”, fundadas, por exemplo, em requisitos objetivos, como formação técnica;
(iii) a forma como está configurado a formatação e publicação do relatório de transparência salarial.
(iv) como consequência, requerem, “por arrastamento”, a inconstitucionalidade do Decreto nº 11.795/2023 e da Portaria nº MTE 3.714/2023, que regulamentam as previsões legais abertas.
– Requerimentos cautelares –
Requerem, primeiramente, a concessão da medida cautelar para suspender a eficácia dos dispositivos questionados, quais sejam
(i) a expressão “independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”, (art. 5º, § 2º, da Lei)
(ii) “a eficácia de toda e qualquer interpretação conferida ao § 6º do art. 461 da CLT alterada pelo art. 3º da Lei 14.611/2023 que resulte na possibilidade de assimilação da discriminação (que exige dolo) a simples situação de diferença salarial”;
e (iii) “a eficácia da interpretação conferida ao art. 5º da Lei 14.611/2023 que permita a imposição de penalidade (e a imposição imediata de Plano de Ação) sem que antes tenha havido adequada e oportuna defesa por parte do empregador fiscalizado e da interpretação que chancele a publicação de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios”.
– Requerimentos de mérito –
(i) seja declarada a inconstitucionalidade da expressão “independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”, (art. contida no § 2º do art. 5º da Lei 14.611/2023, por violação direta à isonomia (arts. 5º, caput e incisos I, V, X; e 7º, inciso XXX, da Carta)”,
(ii) “seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, do § 6º do art. 461 da CLT, alterada pelo art. 3º da Lei 14.611/2023, para que essa Egrégia Corte, mediante interpretação conforme à Constituição, fixe interpretação para que o pleito de dano moral somente seja cumulável se presente situação de discriminação em sentido estrito (exigindo-se dolo), sem que a essa hipótese se equipare a mera existência objetiva de uma diferença salarial, em consonância com o princípio da segurança jurídica”,
(iii) “seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, do art. 5º da Lei 14.611/2023, para que essa Egrégia Corte, mediante interpretação conforme à Constituição, fixe interpretação no sentido de que não seja possível a aplicação de qualquer penalidade (e notadamente a imposição da elaboração do plano de ação) sem que antes o empregador fiscalizado tenha tido a oportunidade de apresentar defesa, assim como não seja possível a publicação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios que envolva a divulgação (pontualmente, pela média ou mediana) de valores salariais e remuneratórios vinculados a cargo ou função, em respeito aos arts. 1º, inciso IV; 5º incisos V, X, LIV, LV e LXXIX; e art. 170, inciso IV, todos da Constituição.”
(iv) por arrastamento, “a declaração da inconstitucionalidade do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023, que, ao regulamentarem as previsões legais abertas, incorreram nas violações apontadas, por terem sido emanadas no âmbito da interpretação inconstitucional da Lei” e, sucessivamente, “a declaração da inconstitucionalidade do Decreto 11.795/2023 (em especial seus arts. 2º e 3º) e da Portaria MTE 3.714/2023 (em especial seus arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º) por violação direta à Constituição Federal, na hipótese de esse Egrégio Supremo Tribunal considerar que os referidos atos normativos infralegais se revestem de características de atos normativos primários, inovadores em direitos e obrigações, sem reverência à separação de poderes”.
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