As mudanças no setor elétrico e seus impactos
Presidente do Sinergia CUT, Carlos Alberto Alves, analisa proposta do governo que reformula o setor elétrico brasileiro. MP promete justiça tarifária e liberdade ao consumidor, mas também traz contradições. Confira
Escrito por Carlos Alberto Alves, presidente do Sinergia CUT 5 de junho de 2025
O governo anunciou, no último dia 21 de maio, por meio da MP 1300/25, o que chamou de reforma no setor elétrico, estruturada em três eixos: justiça tarifária, liberdade para o consumidor e equilíbrio para o setor.
Em um país marcado por profunda injustiça social, e considerando que a energia elétrica é um insumo essencial à vida e ao desenvolvimento nacional, a redução tarifária torna-se um ponto fundamental, especialmente diante de um cenário em que uma em cada cinco residências vive em situação de pobreza energética.
No entanto, fixar o limite de 80 kWh mensais por família inscrita no CadÚnico, com renda de até meio salário-mínimo, representa um consumo muito abaixo das necessidades de um núcleo familiar de quatro pessoas. Por isso, esse patamar deveria ser, no mínimo, de 100 kWh, sendo o ideal 120 kWh. Destaca-se ainda que a MP também contempla beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada), como pessoas com deficiência e idosos acima de 65 anos, além de famílias indígenas, isoladas e quilombolas inscritas no CadÚnico.
Criar mecanismos de inclusão social é sempre importante, pois faz com que o país tenha um crescimento social mais justo, impulsionando a eliminação da miséria, ampliando oportunidades para educação através da internet e uma vida mais digna.
A proposta também traz a garantia de que os consumidores residenciais e os pequenos negócios terão liberdade para escolher de qual empresa comprarão energia (tornando-se consumidores livres), com o objetivo de estimular a concorrência e, consequentemente, reduzir os preços. Esse mecanismo está previsto para entrar em vigor em 2026.
Atualmente, os grandes e médios consumidores, que já operam na condição de consumidores livres, não pagam tributos para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), o que torna a energia mais barata para essa classe em comparação aos consumidores cativos. Ao incluir os consumidores livres no pagamento desses tributos, a proposta promove maior equidade na distribuição dos encargos, uma vez que, hoje, apenas os consumidores cativos arcam com esses custos. Vale lembrar que é por meio dos recursos da CDE que se viabilizam os diversos subsídios atualmente existentes no setor de energia.
Além dos itens acima citados, a MP 1300/25 traz em seu conteúdo outros aspectos importantes:
- Melhor definição de autoprodutor, evitando que acionista direto ou indireto menor que 30% do capital social total e com demanda abaixo de 30.000KW, seja considerado autoprodutor e carregar os benefícios para esse status.
- Limitação dos descontos da rede (TUST e TUSD).
- Mecanismo de Negociação de débitos do mercado (ações judiciais em curso referentes aos efeitos hidrológicos), beneficiando diretamente o segmento de geração que estão nessa condição.
- Desconto de irrigação e aquicultura.
Contudo, a MP apresenta algumas contradições. A gratuidade de até 80KW é uma quantidade muito baixa de consumo para utilização de eletrodomésticos básicos, visto que a designação de pobreza energética definido pela política nacional de transição energética justa é até 50KW. Na atual política para baixa renda, temos gratuidade de até 50KW para famílias indígenas e quilombolas e uma tabela de desconto que varia entre 10% para quem consome de 101KW a 220KW, 40% para quem consome de 31KW a 100KW e 65% para quem consome 00KW à 30KW. Pela proposta da MP, esses descontos serão substituídos pela gratuidade em um consumo até 80KW, porém, os consumidores entre 120KW e 220KW perderão os atuais descontos que vão de 10% a 40% de sua conta de energia.
Colocar a faixa de baixa tensão na classe de consumidores livres não dá garantia de que estes vão pagar energia mais barata; ao contrário, com a atual política de fiscalização da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que até sugere bonificação das multas das distribuidoras que prestaram, prestam e continuarão prestando um péssimo serviço aos seus consumidores, a tendência é a sociedade continuar refém das concessionárias. Estas, por sua vez, poderão formar carteis de preços para para ampliar seus lucros ainda mais e, o fardo continuar com o povo pobre e trabalhador que vivencia sucessivos aumentos de tarifas e veem esgotando a sua capacidade de pagamento.
Para além da MP 1300/25
A proposta não enfrenta os problemas estruturais do setor de energia. É urgente e necessário criar uma política que seja, de fato, protagonista de uma transição energética justa, regulamentando a instalação de novas fontes de geração, preservando o meio ambiente e as populações do entorno, sem agravar os já existentes problemas sociais nas regiões onde essas fontes são instaladas.
Não é admissível continuar permitindo que empresas transformem a energia em commodities, aumentando seus lucros por meio de subsídios atualmente pagos por uma população empobrecida, na qual 36% das famílias brasileiras já destinam aproximadamente 50% de sua renda ao consumo de energia e gás. Além disso, não se identificou na proposta qualquer alocação de recursos das concessionárias de Geração, Transmissão e Distribuição (GTD) para políticas ambientais que, entre outros fatores, podem contribuir no enfrentamento das severas mudanças climáticas.
Atualmente, vivemos sem qualquer planejamento no setor, e a MP, ao desconsiderar que a energia é um bem público e estratégico para a soberania nacional, essencial à vida e ao desenvolvimento do país, mantém a lógica de operação do sistema voltada para a geração de riqueza aos grandes fundos de pensão espalhados pelo mundo e para a remessa de altos dividendos ao exterior.
E mais: mais uma vez vimos a sociedade, especialmente os mais carentes, alijada desse debate. A proposta de gratuidade de até 80 kWh é muito limitada para um país que pretende enfrentar as desigualdades. É preciso que o Estado assuma efetivamente sua responsabilidade como órgão concedente e fiscalizador, promovendo o debate sobre acessibilidade à energia, qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias e segurança energética, de modo a garantir um desenvolvimento sustentável para o país. Perde-se, assim, uma grande oportunidade de rediscutir a atual metodologia de tarifas, cujo crescimento é inversamente proporcional à renda das famílias.
Ainda segundo informações extraoficiais, já existem mais de 600 emendas para essa discussão no Congresso, todas voltadas ao aumento de subsídios para os financiadores de campanhas eleitorais, os famosos “jabutis”, semelhantes àqueles aprovados por ocasião da vergonhosa doação da Eletrobras, que incluíam o compromisso de construir termelétricas em locais onde não há, e dificilmente haverá, disponibilidade de gás.
É imperioso que a classe trabalhadora e a sociedade organizada tomem conhecimento e compreendam as verdadeiras razões da edição de uma MP, em vez de uma verdadeira reforma do setor elétrico, e se mobilizem para estancar o sangramento de um sistema e de um bem coletivo tão essencial à vida e ao desenvolvimento quanto a energia.
Carlos Alberto Alves, presidente do Sinergia CUT
05 de junho de 2025