Debate

Trabalhadores com deficiência lutam para quebrar barreiras no mundo do trabalho

Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT se reunirá nesta terça-feira (3) para o lançamento de uma publicação que trata das lutas e dos direitos das pessoas com deficiência

Escrito por Walber Pinto | Editado por: André Accarini | CUT 29 de novembro de 2024
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Autor da foto: Paulo Pinto/Agência Brasil | Repost CUT

Na próxima terça-feira, 3 de dezembro, data em que se celebra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, a CUT, por meio do seu Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência, lançará o terceiro caderno que aborda as lutas e os direitos dessa popualção no mercado de trabalho. A atividade será transmitida pelo Youtube da CUT, a partir das 18h30.

O objetivo do caderno, segundo os coordenadores do coletivo, é informar e promover a participação e organização dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência CUTistas a partir dos sindicatos de base, com o intuito de contribuir para um maior conhecimento e uma inclusão mais efetiva e consciente no mercado de trabalho. A CUT é a única central sindical do país que tem um coletivo nacional para falar das lutas das pessoas com deficiência.

Um levantamento divulgado na última quinta-feira (21) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e Observatório Social mostrou que ainda há muitos desafios na inclusão das pessoas com deficiência nos setores do comércio, serviços e industrial, no contexto das condições de trabalho, como de negociação coletiva-sindical.

Segundo o Dieese, nos empregos formais, apenas 1,1% eram ocupados por pessoas com deficiência, em 2021, sendo que, nos cargos de chefia, elas ocupavam apenas 0,5% dos postos de trabalho. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE), mais de 18 milhões de pessoas, o que representa cerca de 9% da população, têm algum tipo de deficiência. E apesar dos avanços para a garantia de inclusão, o preconceito ainda é muito presente.

Pedagoga e professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Blumenau-SC, Karem Resende, fala em entrevista ao Portal CUT das lutas diárias e o que é ser uma pessoa com deficiência no Brasil. “É angustiante, e se for mulher, a situação piora”, diz a dirigente, que também é uma das coordenadoras do Coletivo Nacional das Pessoas com Deficiência da CUT.

Se as pessoas sem deficiência fazem as coisas sem pensar, a mulher com deficiência vai pensar duas vezes antes para ver se ela vai conseguir chegar até lá
– Karem Resende

Foto: Karen Rezende/Site CUT

Na entrevista, a pedagoga, que é cega e usuária de cão-guia, afirma que as empresas precisam encarar a inclusão das pessoas com dificiência “como obrigação legal”. Sendo assim, continua ela, “haveria mais processos de diversidade e oportunidades para trabalhadores e trabalhadoras com deficiência”.

Leia a entrevista a seguir

1 – Antes de tudo, gostaria de começar pedindo para que você se apresentasse e falasse um pouco de você.

Sou Karen Rezende, pedagoga, mestre em Educação Profissional e Tecnológica, professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Blumenau-SC, representante dos Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT Estadual de Santa Catarina e da ISP, a Internacional dos Sindicatos, pelo Sindicato Único dos Trabalhadores Municipais de Blumenau.

Sou uma mulher cega, usuária de cão-guia, branca, de olhos e cabelos castanhos na altura dos ombros, visto uma camiseta rosa, estou usando um headphone e meu sinal em libras é a letra K configurada na mão direita, fazendo um sinal de sorriso em frente ao rosto. Me tornei uma mulher cega quando estava voltando do meu serviço para casa, sofri um acidente automobilístico no qual eu me tornei uma mulher cega. Conviver com a cegueira me ensinou muitas coisas, e uma delas é estar me adaptando todos os dias.

Preciso me adaptar a todo momento. A partir do momento que me tornei uma usuária de cão-guia, as barreiras não diminuíram. Fui me adaptando a elas. As dificuldades pelas quais eu passo agora talvez se tornaram um pouco menor, porque o cão consegue desviar dos obstáculos aéreos e dos obstáculos que ele vai encontrando pelo caminho. Mas as barreiras atitudinais, os constrangimentos que eu passo quando não me deixam entrar num local que descumpre uma Lei Federal, que é a Lei do Cão-Guia, estes continuo passando.

2 – Como foi e como tem sido enfrentar os desafios de ser uma mulher com deficiência no Brasil?

Ser mulher com deficiência no Brasil é angustiante porque tem situações que vão além da desigualdade do gênero e do capacitismo, e temos que combater diariamente. Situações de barreiras institucionais, barreiras físicas, são extremamente difíceis e complicadas de passarmos diariamente.

Sendo uma mulher cega, usuária de cão-guia, enfrento muita dificuldade com carros de aplicativo, por exemplo, que se negam a cumprir uma lei federal, porque não querem que eu leve um cão que faz um serviço que é essencial para mim, que é de me guiar.

Então, me tira o direito de ir e vir. Me tira o direito de chegar a um meu ponto de destino e às vezes me pergunto se eu fosse um homem, se fosse um homem cego, usuário de cão-guia, talvez os motoristas não proferissem palavras de desacordo a respeito do meu cão? Será que seria assim? Será que seria diferente?

Trago para mim a realidade. Que é de uma mulher cegos, usuária de cão-guia, mas também vocês podem fazer uma mudança para qualquer tipo de deficiência que a pessoa tenha. Ela está sempre adaptando, sempre reavaliando as questões pelas quais vai passar, se vai se sentir segura ou não para sair de um ônibus, para sair de um carro de aplicativo, se vai ter alguém que possa acompanhar, se é segura ou não sair na rua, ou se ela vai conseguir chegar ao ponto A ao ponto B em segurança.

Se as pessoas sem deficiência fazem as coisas sem pensar, a mulher com deficiência vai pensar duas vezes antes para ver se ela vai conseguir chegar até lá.

3 – No dia 3 de dezembro o Coletivo Nacional de Pessoas com Deficiência da CUT lançará o terceiro caderno que das lutas e dos direitos das pessoas com deficiência no mundo do trabalho. Como essa publicação pode contribuir para o debate de inclusão no mercado de trabalho?

No dia 3 de dezembro é Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, e estamos publicando o terceiro da série de cadernos informativos de suporte ação dos estaduais ramos e sindicatos. Com um propósito de informar e promover a participação e organização dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência CUTtista a partir dos sindicatos de base esperando contribuir para maior conhecimento e uma inclusão mais efetiva e consciente das pessoas com deficiência no mundo do as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência da CUT.

O caderno tem por foco o direito ao trabalho como centro da ação sindical e por seu significado enquanto um direito humano fundamental inclusive estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Temos a compreensão de que os Direitos Humanos são indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. O movimento sindical é um movimento dos direitos humanos por essência, enfatizamos no caderno os artigos que trata especificamente do direito ao trabalho.

É um caderno digital, acessível, a capa onde tem imagens está com texto alternativo que está acessível para leitores de tela, para pessoas cegas e baixa visão que façam uso deste recurso de acessibilidade. O sumário está com hiperlink para melhorar todas as informações do caderno e é possível utilizar o zoom para aumentar a letra.

4 – Estudo divulgado na última quinta-feira (21) pelo Dieese e Observatório Social mostrou que os desafios por inclusão das pessoas com deficiência em diversos setores do mundo do trabalho ainda é um desafio. Você concorda com essa afirmação, por quê?

Concordo com a afirmação de que a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é ainda um desafio significativo. Há muitas barreiras físicas, tecnológicas, barreiras atitudinais que acabam limitando o acesso de trabalhadores e trabalhadoras com deficiência ao mercado de trabalho. Condições de trabalhos desiguais, salários inferiores e a falta de oportunidades de crescimento profissional fazem com que trabalhadores e trabalhadoras com deficiência acabem se colocando numa situação de inferioridade e aceitando condições inapropriadas de trabalho.

Iniciativas que promovam acessibilidade, desenvolvimento profissional e igualdade de oportunidade são primordiais para o mercado de trabalho seja realmente inclusivo. Isso vai fazer com que trabalhadores e trabalhadores com deficiência sejam vistos como pessoas que produzam e respeitadas dentro das suas particularidades e singularidades, sendo que elas é que vão dizer do que necessitam das adaptações que precisam ser feitas para que possam executar o trabalho da maneira mais agradável, de maneira confortável e produtiva. Além de ser um direito do trabalhador, é dever do empregador estar dentro da lei e ofertando acesso e acessibilidade a todos esses trabalhadores.

5 – Em 33 anos da Lei de Cotas, tivemos avanços significativos, mas falta o Brasil caminhar para uma plena inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência. Como isso pode ocorrer e o que precisa para acelerar esse processo?

Um dos caminhos é o fortalecimento e a fiscalização da lei de cotas e, principalmente, investir em educação e capacitação desses trabalhadores e trabalhadoras. A partir do momento que o trabalhador tem consciência de classe, tem o conhecimento dos seus direitos através da educação, a sensibilização e cultura inclusiva dentro das empresas, dentro do seu local de trabalho, esse trabalhador vai acabar se apropriando dos seus direitos e garantir o seu acesso físico, digital, acesso de estar e permanecer no seu local de trabalho com a garantia de seus direitos.

A Lei de Cotas vem para garantir esse direito ao trabalhador, mas é importante destacar que a partir desta garantia de direito, com a fiscalização das empresas agindo de forma correta, contratando os trabalhadores, é que esse trabalhador vai ter o direito de exercer a sua função dentro da perspectiva.

A partir disso, através de ampliação do diálogo social, fortalecendo o papel dos sindicatos, que tem assim a participação de incluir pautas de inclusão nas negociações sindicais, garantindo que trabalhadores com deficiência sejam representados. A inclusão depende dessa mudança sistêmica e contínua, que vai começar na negociação, no direito ao trabalho e na garantia desse trabalho através da Lei de Cotas.

6 – Mas empresas estão preparadas para esse processo de inclusão?

Enquanto as empresas encararem a inclusão de pessoas com deficiência como obrigação legal e não como oportunidade de enriquecimento de um ambiente de trabalho, como diversidade de inovação, sempre vai parecer que as empresas estão despreparadas, porque não dão oportunidade para esses trabalhadores e trabalhadores com deficiência mostrar seu potencial.

Enquanto tivermos ambientes físicos e digitais inadaptados, com desconhecimento sobre tecnologias assistivas, essas empresas vão estar sempre despreparadas para receber pessoas com deficiência. É importante que se tenha uma estratégia de integração, de capacitação e oportunidade de crescimento pessoal para todos, para pessoas que serão trabalhadores e trabalhadoras com e sem deficiência. Falta de formação profissional adequada, pessoas com deficiência acabam enfrentando dificuldade no recrutamento.

Além disso, muitas empresas têm dificuldade de encontrar profissionais com deficiência porque não utilizam estratégias de recrutamento que facilitam o acesso, a acessibilidade e a permanência desses trabalhadores nas empresas. O ideal seria que as infraestruturas das empresas priorizassem ambientes de trabalho acessíveis, incluindo tecnologia assistiva e espaços físicos adequados, para que esses trabalhadores e trabalhadoras com deficiência que estejam se candidatando a uma vaga de emprego.

7 – O acesso à educação também é um desses desafios das pessoas com deficiência no Brasil. Apenas 1 em cada 4 pessoas conseguiu concluir a educação básica obrigatória no país, segundo dados da Pnad Contínua divulgado em 2023. Como vencer essa barreira?

O acesso à educação para pessoas com deficiência é um desafio persistente. Vencer essas barreiras exige uma abordagem integrada que envolvendo políticas públicas, investimento em infraestrutura e formação. Importante garantir acesso de infraestrutura acessível nas escolas, capacitação de professores da educação, implementação de metodologias de pedagogia inclusiva, promoção de política pública efetiva.

E para além de sensibilizar a sociedade, é importante que esteja garantido o direito ao acesso, acessibilidade e permanência de todas as crianças com deficiência na escola, para que elas tenham acesso à informação de maneira adequada, de forma acessível, para que eles se tornem jovens e futuros. Pessoas com deficiência, que vão adentrar ao mundo do trabalho com consciência, que saibam o que estão fazendo, com direito às informações de maneira correta, para que possam fazer as escolhas com direito na base da educação.

 

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