OIT aprova criação de convenção para regulamentar trabalho por plataformas digitais
CUT participou da articulação para a aprovar e elaborar a convenção que poderá garantir direitos e proteção social para milhões de trabalhadores por plataformas em todo o mundo
Escrito por André Accarini/CUT Nacional 5 de junho de 2025
A 113ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em Genebra, aprovou nesta terça-feira (4) o início da construção de uma convenção internacional para regulamentar o trabalho por plataformas digitais, um dos mais precarizados da atualidade.
O tema mobilizou as delegações de trabalhadores, governos e empregadores nos primeiros dias da Conferência, marcando um avanço histórico na luta pelos direitos da classe trabalhadora. Após um impasse que durou sete sessões na Comissão Normativa sobre o Trabalho Decente na Economia de Plataformas, com divergências sobre a adoção de uma Convenção e não apenas uma Recomendação, a proposta foi finalmente aprovada por votação
Ao todo foram 66 votos a favor e 18 contra. A decisão consolida um marco na proteção de milhões de trabalhadores, como entregadores e motoristas de aplicativo, contra a precarização das condições de trabalho.
A futura convenção — que ainda será debatida e redigida nos próximos meses e deve ser concluída em 2026 — tem como objetivo estabelecer diretrizes claras e vinculantes sobre quem são os trabalhadores por plataformas, quais são seus direitos e como devem ser protegidos. A proposta deverá contemplar tanto os trabalhadores que têm vínculo empregatício quanto os autônomos, garantindo direitos básicos para todos.
Veja abaixo o que é e como funciona uma Convenção da OIT
“É um passo extremamente importante. A aprovação do início da construção de uma convenção significa o reconhecimento de que os trabalhadores por plataformas são trabalhadores e devem ter direitos garantidos. É o começo de uma grande vitória”, afirmou Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT e representante da delegação dos trabalhadores na conferência.
A presidenta do Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), Carina Trindade, que integra a comitiva da CUT na 113ª Conferência Internacional do Trabalho, reforçou a relevância dessa conquista. “A importância de termos conquistado a elaboração de uma Convenção é que vamos garantir que todos os trabalhadores e trabalhadoras terão um mínimo de direitos que são essenciais como salário justo, jornada de trabalho digna, proteção social, segurança no trabalho e garantindo também a existência do trabalhador por plataforma no mundo todo”, disse a dirigente
Hoje, milhões de pessoas no mundo prestam serviços por meio de aplicativos e plataformas digitais. São trabalhadores frequentemente submetidos a condições instáveis, sem contrato formal, proteção social, acesso à negociação coletiva ou sequer o direito de saber como os algoritmos que os avaliam funcionam.
Segundo Antonio Lisboa, a convenção da OIT deverá incluir temas como:
- definição do que é trabalho em plataforma;
- distinção clara entre trabalhador empregado e trabalhador autônomo;
- direitos coletivos, como liberdade sindical e negociação coletiva;
- direito à revisão humana de decisões automatizadas, como bloqueios;
- e o reconhecimento de que até mesmo os trabalhadores autônomos precisam de garantias mínimas.
Um dos pontos principais do debate foi justamente o tipo de instrumento a ser adotado: se uma recomendação — que tem caráter orientativo — ou uma convenção, que é obrigatória para os países que a ratificam. A vitória dos trabalhadores foi garantir que o processo siga com uma convenção.
“Isso significa que os países terão a responsabilidade de transformar o que for aprovado em lei. Foi uma disputa dura, enfrentamos resistência de países como Estados Unidos, China e Índia, mas conseguimos”, relatou Lisboa.
O dirigente também destacou que a tendência é que a convenção siga os princípios estabelecidos pela União Europeia em sua diretriz sobre trabalho em plataformas. “A configuração da votação mostra que temos uma aliança importante com a União Europeia, a maioria dos países da América Latina e praticamente toda a África. A tendência é que o texto final seja fortemente inspirado na diretriz europeia”, apontou.
Na União Europeia, a Diretiva UE 2024/28311, em vigor desde dezembro de 2024, regula o trabalho em plataformas digitais na região. Ela visa proteger os trabalhadores, corrigindo classificações indevidas como autônomos e garantindo direitos mínimos como proteção social e formação profissional. Exige transparência no uso de algoritmos, supervisão humana em decisões automatizadas e comunicação clara com os trabalhadores. Também assegura a portabilidade de dados, impõe sanções por violações e promove a cooperação entre países-membros, que têm até dezembro de 2026 para implementá-la.
CUT na 113ª Conferência Internacional do Trabalho
A 113ª Conferência da OIT reúne representantes de trabalhadores, empregadores e governos dos 187 países membros para discutir os rumos do mundo do trabalho. A delegação da CUT participa ativamente dos debates, levando as pautas da classe trabalhadora brasileira. Um dos focos da atuação neste ano é o combate à precarização nas novas formas de trabalho, especialmente os realizados por meio de plataformas digitais.
A central defende que esses trabalhadores — motoristas, entregadores, cuidadores, freelancers, entre outros — sejam reconhecidos como sujeitos de direitos e protegidos pela legislação trabalhista internacional, conforme os princípios da OIT.
O que é uma convenção da OIT?
As convenções da OIT são tratados internacionais que, uma vez aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, podem ser ratificados (validados, confirmados), ou não, pelos países membros. Essas convenções são elaboradas por representantes dos governos, dos trabalhadores e dos empresários de todos os países que fazem parte da OIT, após muito estudo e análise da realidade do mercado de trabalho no mundo inteiro.
Depois que uma convenção é adotada por um país, ela passa a valer como política de Estado, acima de partidos ou governos.
Como é ratificada uma Convenção?
Pela constituição da OIT, para que um país ratifique uma Convenção ela deve ser apreciada por suas autoridades competentes. Caso seja aprovada a ratificação, o país deve adequar sua legislação no prazo de até um ano.
Depois de ratificada, a Convenção vale imediatamente?
Seus princípios passam a valer, mas para ampliar seu alcance, é preciso moldar a legislação vigente aos novos padrões que surgirão. Para tanto, é necessário regulamentá-la. Diferente de uma recomendação, que tem caráter apenas orientativo, uma convenção é vinculante: tem força jurídica para os países que a adotam.
Quem são os trabalhadores por plataformas?
O trabalho por plataformas compreende diferentes formas de prestação de serviços por meio de aplicativos e sistemas digitais. Entre os principais tipos estão:
- Transporte: entregas de alimentos e encomendas; transporte de pessoas
- Tarefas profissionais: trabalhos que exigem habilidades específicas, como programação; design gráfico; redação; consultoria
- Tarefas domésticas: contratação de serviços como limpeza; jardinagem; cuidados com animais de estimação
- Pequenas atividades online: marcação de dados em imagens; transcrição de textos, pesquisas de informações
- Outras atividades: serviços diversos, dependendo da plataforma, como tutoria, criação de conteúdo, consultorias online
Esses profissionais são, em sua maioria, tratados como autônomos, mas muitas vezes estão submetidos a controle rígido, jornadas extensas, remuneração variável e ausência de direitos básicos.